sexta-feira, 18 de maio de 2012

Pouso e contemplação para o que nunca se encontrará

 o motivo da existência é um elo perdido que nos prende ao instinto

há o que se suporte em trismo ou gozo
brasa escorrida em língua ou pluma em pele
a adoçar papilas ou ferir pupilas no costumeiro horizonte
no horizonte que se sabe fato
no horizonte que se sabe fátuo
no mesmo horizonte onde se deitam os girassóis
nascem constelações e se fundem
fogo, mar e sonho

o que escondo de mim
são palavras de sangue
perdidas entre o primeiro amanhecer
e o último pôr do sol

é o que me rasga um escuro
que não alcanço
guardado em uma cromatina qualquer
a queimar

(Celso Mendes)

terça-feira, 13 de março de 2012

Rota de fuga a procura do fogo

porque há buscas e desejos que são atemporais

só peço a ti duas gotas de pólen
que caminhem cores por meu nervo óptico

duas aberturas
no fundo fosco
deste corpo vítreo
onde vaze vida
para um riso raro
neste espaço escuro

só dois grãos de sol incrustados na areia
e um único voo no vácuo da luz
que se perde no espelho
e na lassidão
desse longo degredo
entoado sem voz
segredado nas sombras

só peço a ti duas contas negras e a palavra muda
.
.
.
para eu me atirar
bastam-me teus olhos

(Celso Mendes) 

sábado, 3 de março de 2012

Nova introdução para reedição de mais uma antiga abstinência e vícios eternos


Sem aviso

chegou sem ruído de abertura
volátil
insinuante

inalei-a

[todo vício começa com uma sensação de prazer]


 
Absintismo  
(reedição modificada)

fluida
escorreu-me lenta
banhou-me de olhares
palavras
desejos

bebi da sua cor
colei o seu cheiro
sorvi sua essência
naveguei cada vão
por onde vertia

e nadava-a
sôfrego
ao perceber
súbito
seu sumo destilar-me pele afora
e vazar
de minhas mãos
ocas
que não mais a continha

rapidamente escoou
secando-me um sonho
eternamente fugaz

daqui
em minha embriaguez
ainda absinto-a
intensa
inebriante
fluida

(Celso Mendes)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Alfarrábios (repostagem)

percebo uma ruptura que me duplica.

mas sou feito de ferro e concreto,
fissuras não me comovem.
já sou azul e amarelo,
preto no branco,
e uma velha testemunha do conformismo.

o sopro que fere meu rosto
é a prova da fragilidade desta armadura.

redimo-me da canção subalterna a um desejo ocre.

e que não me faltem alfarrábios
para dizer da crueldade dos anjos,
que infernizam minhas noites
e visitam-me nas manhãs opacas
pintando-as de tons pastel,
feito palhas que incendeiam sutilezas
e espalham a fumaça:
ardência dessa angústia nos meus olhos,

asas que se queimam em pleno voo
sobre um chão que já não há.

(Celso Mendes)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Acalanto para abstinências e vazios

                                         é a falta e a lacuna quem cria
                                                                      (Paul Valéry)
é para agasalhar ausências que teço este poema
fantasmas não dormem
anseios me esperam

o que urge além do lábio e da palavra
é o mesmo que me trinca o esmalte dos dentes
vindo da lacuna que ocorre no rastro do voo
de cada pássaro que ousei ser
neste não sentir talhado nos ossos
feito rios secos a riscar-me a pele
álveos calcinados 
onde escorrem congeladas 
a doçura e a tortura
de vozes e olhares idos ou perseguidos
dentro de um pretérito que me bate à cara
ou em um porvir que se me escancara

é para agasalhar ausências que teço este poema
de vazios e de abstinências
e me permito à lagrima
tanto quanto ao riso

(Celso Mendes)

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Cantiga de poucos verbos para tanto amanhã

vou
talvez volte amanhã
mas não me esperes

se os dias voltarem
volto amanhã
quiçá depois de amanhã

mas não me esperes

há uma esquina em cada lua
um novo estio em cada dobra da retina
há um horizonte de amanhãs a me secar

hoje só parto
amanhã não sei
talvez eu volte
não me esperes
– não precisa –

só não me esqueças amanhã de manhã
pois bem não sei
se tornarei
se eu haverei
amanhã
de manhã
ou depois

e se amanhã houver
lembra-te de alguma palavra minha
se no amanhã
eu não estiver

e voltarei

(Celso Mendes)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Poema sem tema

talvez eu fale aqui desta minha ansiedade ortomolecular
ou dos restos mortais
daquelas fotografias cravejadas de olhares
das abstinências que sobem por paredes escorregadias
e congelam resquícios de lucidez
ou, quem sabe, de simples amores de prateleira

talvez resolva apenas pendurar duas gotas de sal neste cadarço
antes de amarrar minhas mãos e desatar a minha língua
aparar a grama enquanto rolam ilusões
redefinir conceitos inexistentes
realçar bocas pintadas de libido
resolver equações geométricas
ou pequenas questões de física quântica

queria mesmo era escrever um poema sem tema
dizer das impurezas de verdades inconcebidas
desacreditar da necessidade pragmática da escrita
rimar palavras pobres com idéias ricas
deslizar alguns símbolos gráficos sobre o branco
manchando-o com frivolidades incontestáveis
rifar pensamentos inúteis
e apenas
fluir

CELSO MENDES 
Junho de 2010 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tons & Segredos


FRIO
o que se esconde 
na umidade das costas
senão o frio que paira
por detrás de todos
os rubores?
CALOR
o espaço a que se destina a paixão
descansa sobre brasa
aconchega-se em fogo insano
imprime-se nos olhos
assume-se nos caldos ebulientes e solitários
a se completarem


SEGREDO
leves são os passos do azul
a deslizar suave
na imensidão gelada

abriga do vento cortante
seu calor
seu segredo escarlate
MERGULHO
neste voo  surdo
cego pelo brilho
da escuridão
do porvir
persisto
sol

mergulho
vida

[teimosamente]



CELSO  MENDES

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Relatório de mais uma tarde


pingos de luz
gota
a gota
fabricam cor
indiferentes
à dor

alegria que me afronta
a escorrer paredes

num eu
ferido
o leve
sorriso

e a tarde sucumbe
às sombras
pinceladas
de vida


(Celso Mendes)

domingo, 15 de janeiro de 2012

A escuta

Hoje estou no blog do Bar do Escritor com um poema reeditado e modificado, anteriormente intitulado "Iluminado", que bebeu um pouco demais no boteco e trançou palavras e versos, perdendo alguns e ganhando outros.

http://bardoescritor.blogspot.com/2012/01/escuta.html

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Conteúdo

tenho comigo o ruído das horas que plantei
–  eternas e imutáveis –
algumas folhas  secas que me esqueci de regar
frutos [talvez alguns]
alguns cacos à vista e à deriva
um tanto de inocência verde de criança
e o fogo mais puro de cada desejo
junto aos meus rubros

tenho cá dentro as águas
rios de sal
e o sol que conservo no peito

circulo o sal nas artérias
brotam-me pedras de sal
salgo horizontes
mas guardo o sol e a lembrança das águas
intactos

já pude sentir o hálito do voo
provei da terra da poeira e do musgo do rastro
aprendi um pouco das estrelas na nudez da escuridão
procuro compreender o sábio valor
do ruflar silencioso da rocha
do pensamento etéreo das plantas
da clara mensagem das nuvens

só nada sei das entranhas
onde o peso da luz não se sente na língua emudecida
da palavra indecifrável

carrego
brisas
ventanias
tempestades
olhares
lábios
cânticos
e amanheceres

que sempre esperam as inevitáveis noites
e o definitivo sono que me contém

(Celso Mendes)