quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Do que fala um vazio


das palavras não ditas
o ruído
a repetir
insistente
reverbera
a ausência

o som do silêncio
cria a imagem

e o que não se escreveu
a mensagem

(Celso Mendes)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Lua resplandecerá plena nos olhos vagos


Imóvel,
no mesmo banco de praça,
sonha antigas musas.

O velho poeta aguarda a noite.

Seus olhos cansados padecem
do mais pleno vazio. Mas espera,
mais uma vez.

Ele bem sabe,
não há clichê no amor, na lua, nas estrelas;
apenas sonhos coletivos
desses eternos lenitivos
da alma.

(Celso Mendes)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Flores de Asfalto



perseguir flores no asfalto
para regá-las
minha busca

mas o calor do sol
no solo negro
turva o ar
e arde

desatino

logo eu que
no gelo desta prisão
tenho mãos queimadas
olhos pétreos
e foco único
paralítico
de um compulsivo rumo

sim
minhas asas já foram brancas
mas o voo jamais foi livre

agora
quero apenas
rasgar a poeira que turva horizontes
lavar esta água impura que me inunda
fugir de mim
esperar o novo
e partir
no próximo vento estelar

(Celso Mendes)

sábado, 11 de setembro de 2010

Evisceração

Espere pela volta das borboletas na poeira do tempo
Espere por aquele olhar a se projetar entre estilhaços de angústia
Espere pela nuvem de gafanhotos-devoradores-de-horizonte
Mas não vá, fique um pouco mais, ainda há muito o que esperar
E não me deixe plantado neste inferno cor-de-rosa sem um porquê

Eu bem que queria lhe dizer que a lágrima não se mostra
Por puro orgulho
Eu bem queria lhe mostrar
Esta jugular que pulsa no aguardo de uma nova mordida
O que se esconde neste brilho que já não há
E revelar onde a lua se ocultou e dormem as estrelas

Fique um pouco mais
Só um pouco mais
Sinta o som do mar
Sinta o som
O som do mar
E o som
Do Sol
E o Sol
No mar
Fique um pouco mais

Queime comigo nossas verdades douradas e as mentiras azuis
Não minta mais para o azul
Ou para o vermelho
Espalhe algumas verdades transparentes sobre a mesa
Diga para mim desta ferida
Daquela esperança forjada em frases insolúveis
Do impossível e do improvável que já vivemos
Que eu prometo
Que eu lhe juro
Pela divina providência dos semideuses
Estancar este corte que vaza minhas vísceras
E partir

(Celso Mendes)

Ritual

um punhal
de prata
aponta
no peito

ponta fria
na pele

um prenúncio
desponta
em sangue

vida
pontual

oferenda
pactual

ponto final

(Celso Mendes)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Setembro

Setembro começa-me vago. Por ser um cultuador de palavras simples e frases de raso significado, não compreendo bem o porquê. Mas sinto. Enquanto lavo meus olhos na poeira, aguardo a chuva que leve as folhas secas de agosto. Aprendi que retas perfeitas não existem, mas não consigo evitar a curiosidade de saber onde estão os pontos à frente. Isso machuca, sei bem, como sei também ser impossível evitar a dor.

Este inverno me roubou o vermelho e com ele fugiu o arco-íris das tempestades de verão; perdi mais uma flor. O pó é a cor que tem me pintado. Até as maritacas que me acordavam toda manhã andam ausentes. Agora volta a promessa de primavera. Não sei se acredito mais em primavera. Talvez devesse...

Mas um setembro já me deu o que mais amo e outros também me trouxeram presentes. Sempre esperarei algo de setembro. Quem sabe este me umedeça novamente. Mantenho a água na memória. Meus olhos cansados permanecem abertos, continuo amanhecendo e não perdi essa mania de sonhar. Acho que ainda acredito em primaveras.

(Celso Mendes)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Caldo

lenta
é assim que me escoa
esta abstinência
doída
liquefeita no tempo
densa
hipertônica
salgada com frases perdidas
repleta de olhares nus
de boca
saliva
e pele

(Celso Mendes)